sábado, 28 de novembro de 2009

Deserto!

Pode parecer estranho, mas o lugar onde estamos mais sensíveis para perceber os atos de Deus não é o lugar da bonança, mas, sim, o lugar do deserto. Muitos dos salmos de Davi foram escritos não no palácio, mas, no deserto. Moisés recebeu o seu chamado no deserto (Êxodo 3.1-2). Quando queria desistir de tudo, Deus levou Elias não à um lugar de maravilhas, mas, ao deserto do Sinai, ao monte Horebe (1 Reis 19). Quando o povo de Israel havia se tornado insensível, Deus decidiu que iria novamente levar o seu povo ao deserto para ali falar-lhe ao coração (Oséias 2.14). João Batista viveu no deserto, recebendo de Deus, até o tempo em que deveria se manifestar ao povo de Israel (Lucas 1.80). O apóstolo Paulo, logo depois da sua conversão no caminho de Damasco, viveu por três anos nos desertos da Arábia (Gálatas 1.17-18). Por diversas vezes, durante o seu ministério, Jesus se retirou para os lugares solitários a fim de orar, se relacionar com o Pai (Lucas 5.15-16).
O deserto é lugar de encontro com Deus e, portanto, lugar de ouvirmos aquilo que Deus tem para nos dizer. Às vezes corremos tanto, envolvemo-nos em tantas atividades, participamos em tantos ministérios, ouvimos tanta gente, que não conseguimos parar para ouvir a voz do nosso Amado. Temos tempo para todos, mas não temos tempo para estar com Aquele que é a razão da nossa vida e o motivo da nossa existência!
Aliás, muitas vezes, nem mesmo nos lembramos de que Deus existe e que está perto. Pelo contrário, por causa da nossa inteligência, capacidade, recursos, relacionamentos, habilidades, consciente ou inconscientemente, chegamos a pensar que somos bons, fortes, capazes, inteligentes e habilidosos. Nem nos lembramos de que Deus é quem opera tudo em todos e de que toda boa dádiva e dom perfeito vem do Pai das Luzes. Até que…
Até que, por sua providência, Deus nos leva para o deserto, que, nesse contexto, não é necessariamente um lugar geográfico, mas, sim, lugar de falta, de carência, de limitações, de sequidão, de quentura e de não-beleza. E, assim, quando nos encontramos mais fragilizados e menos confiantes em nós mesmos, nós nos encontramos com Aquele que, se de um lado, resiste ao soberbo, de outro lado, concede graça ao humilde. No deserto, tornamo-nos mais sensíveis aos atos de Deus.
É no deserto que percebemos que o nosso pão de cada dia é fruto não do nosso esforço, mas da bondade de Deus. É ali que percebemos que o nosso pão é e sempre foi pão do céu! É no deserto que percebemos que a água que bebemos, fonte de vida, nasce da Rocha, que é Cristo! É ali que entendemos que a provisão é sempre fruto de um milagre! E que as nossas roupas não gastam! E que a nossa saúde só pode ser preservada por Deus!
De repente, começamos a perceber que a nossa vida não é vivida por acaso, mas que é cheia de propósito. E que tudo o que temos (ou não temos); tudo o que somos (ou não somos); sim tudo nos é dado por Deus. Ali, naquele lugar, o nosso coração é convertido e se rende completamente aos cuidados do Criador. Ali, reconhecemos que só existe um único Deus, e que esse deus não somos nós mesmos; pelo contrário, é o Deus Triúno.


O deserto...

O deserto, diferentemente do que alguns podem pensar, não é um lugar de solidão, mas, sim, de encontro. É na experiência do deserto que somos levados a nos encontrar com nós mesmos e com Deus. Sem dúvida, é estranho imaginar que não nos conhecemos. Afinal, convivemos com nós mesmos o tempo todo! Contudo, geralmente nos esquecemos de que o nosso coração é extremamente enganoso. Por vezes sem conta, ele nos prega peças, ele nos engana, ele nos ilude, ele nos faz pensar que somos o que não somos e que temos o que não temos.
Muitas pessoas são levadas a imaginar que são boas porque fazem coisas boas. Contudo, o que muitas pessoas podem não perceber é que fazem coisas boas, não por causa dos outros, mas, sim, por causa delas mesmas. Ajudam os outros por egoísmo ou vaidade: ou querem aliviar a consciência de alguma culpa ou desejam ser admiradas pelo que fazem. Outros, por sua vez, podem ajudar por simples motivação política, e, não, porque amam alguém e se importam com o povo.
Por isso a experiência do deserto é fundamental para a caminhada cristã. Enquanto o coração tenta nos esconder de nós mesmos, Deus usa o deserto para nos levar ao encontro daquilo que realmente somos. Percebemos que aquilo que imaginávamos ser não é aquilo que realmente somos. No deserto, nós somos desmascarados e as realidades mais escondidas do nosso coração são trazidas para fora. Aqueles quartos da nossa alma, que durante anos permaneceram fechados e “protegidos” pela escuridão, têm as suas portas abertas e seus segredos revelados.
A ira, outrora oculta, é revelada. A ansiedade, antes guardada na escuridão, vem para fora. A arrogância, que antes se escondia atrás de uma falsa humildade, vêm à tona. O medo, que se ocultava atrás de vestes de coragem, mostra a sua força. A liberalidade, que parecia tão altruísta, mostra-se como fruto do egoísmo. A santidade, que parecia motivada por amor a Deus, revela-se motivada pelo apego ao legalismo. No deserto, as portas do coração são escancaradas e o manso pode revelar-se iracundo; o tranquilo, ansioso; o humilde, arrogante; o corajoso, cheio de medo; o altruísta, egoísta; e o santo, legalista.
Quando o povo de Israel estava para entrar na Terra Prometida, o Senhor lhes falou sobre o deserto como esse lugar de encontro do homem consigo mesmo: “Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos” (Dt 8.2).
Não era Deus quem precisava conhecer o coração dos israelitas. Deus conhece todas as coisas, inclusive as profundezas do coração do homem. para o deserto. Mas eram os israelitas quem precisavam se conhecer a si mesmos. E por isso, Deus os levou ao deserto! Eles precisavam descobrir quem eles realmente eram! Eles não se conheciam de fato!
Depois de terem saído do Egito, os israelitas fizeram aliança com Deus e proclamaram em alta voz que eram e sempre seriam fiéis e obedientes a Deus. Contudo, a experiência do deserto revelou o contrário acerca desses homens e mulheres. Repetidas vezes, eles mostraram que, no seu coração, eles eram murmuradores, inconstantes e desobedientes. O deserto foi o lugar onde os israelitas puderam saber quem eles realmente eram e o que estava guardado em seus corações.
Por outro lado, o deserto é também o lugar do encontro com Deus. É somente nesse lugar onde as nossas fraquezas são expostas, as nossas forças se acabam, os nossos argumentos cessam, a nossa beleza vai embora, o nosso dinheiro desaparece, os nossos limites são revelados e a nossa humanidade se manifesta; é somente nesse lugar que reconhecemos a nossa necessidade de Deus. E, para a nossa surpresa, os nossos olhos são abertos para percebermos que Deus sempre esteve ali, do nosso lado, aguardando o momento em que buscaríamos por Ele. O deserto é o lugar onde percebemos que Deus está sempre perto e sempre disposto a graciosamente se encontrar conosco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário